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sábado, 13 de fevereiro de 2010

Trechos do meu livro "ANTÔNIO DÓ DE VOLTA AO GRANDE SERTÃO VEREDAS" (antologia publicada em 2007).

APRESENTAÇÃO


“Mestre não é quem sempre ensina, mas quem de repente aprende”. (Guimarães Rosa).

SANDRA C. ARAÚJO (da Unifam)


NÃO SOU ESCRITORA. Definitivamente não serei escritora. E, como já disse tantas vezes, sou suspeita de falar sobre Xiko Mendes porque já passa de uma década meu convívio afetivo com ele. Por isso, aprendi a amá-lo, a admirá-lo e a admirar e respeitar o que ele faz, o que gosta, o que pensa, o que escreve... Por isto, também, não poderia fugir da responsabilidade de homenageá-lo pelo que vem fazendo a favor da cultura sertaneja ou GERALISTA – como ele prefere – na sua cidade e em sua região. Se o poeta é um fingidor, como alguém já disse, Xiko Mendes finge tão completamente que NÃO É POETA, mas tão completamente, que às vezes a gente acha que ele só é HISTORIADOR. Sempre se recusou a publicar suas poesias em livro específico. Sugeri-lhe tal intento, mas não tive êxito. Prefere misturar SEUS POEMAS dentro de obras em prosa. É para ninguém descobri-los?
Decidi então, eu mesma, REUNIR PARTE de sua produção PROSOPOETRÓVICA – “mistura de poema com prosa ritmada ou em trova” – como ele define, que estava espalhada em diversas coletâneas e em suas obras históricas. Mas só consegui autorização dele para editá-las quando disse que essa antologia reuniria também textos de Guimarães Rosa. Como sei que Xiko Mendes é um viciado leitor roseano, convenci-o de que organizar esse livro era possível. Agradeço-o pela colaboração e assessoria.
Eis, portanto, essa antologia duplamente comemorativa. Entre o falecimento de Guimarães Rosa (novembro de 1967) e o nascimento de Xiko Mendes (janeiro de 1968) temos apenas dois meses, fato que nos leva a comemorar QUARENTA ANOS de ambos. É também uma pré-comemoração do CENTENÁRIO DE GUIMARÃES ROSA, que ocorrerá agora em 2008, e, posteriormente, do SESQUICENTENÁRIO DE ANTÔNIO DÓ (1859-1929) – que é o tema-título dessa nossa antologia.
Aos que contribuíram com idéias ou apoio material para a realização deste livro deixo aqui, eternizados, os meus AGRADECIMENTOS. Aos LEITORES e admiradores de XIKO MENDES e de GUIMARÃES ROSA, um pedido: que vocês vêm nosso modesto esforço como contribuição pessoal à valorização do SERTÃO e de sua gente culta que se alfabetiza a toda hora, não com letras, mas com sons dos bichos e das águas borbulhantes, por que insiste em viver longe das metrópoles onde o som é de buzinas poluentes e de chaminés fumegantes.

COM A PALAVRA (e) ROSA, A GENTE UNI-VERSO

“Mineiro não crê demasiado na ação objetiva. Mas com isso não se anula. Só que Mineiro não se move de graça. Ele permanece e conserva. Ele espia, escuta, indaga, protela ou palia, se sopita, tolera, remancheia, perregueia, sorri, escapole, se retarda, faz véspera, tempera, cala a boca, matuta, desterce, engambela, pauteia, se prepara. Mas sendo a vez, sendo a hora, Minas entende, atende, toma tento, avança, PELEJA E FAZ
(Guimarães Rosa).

Poeta de verve épico-historicizante ou, simplesmente, Prosopoetrovista na sua auto-definição, Xiko Mendes tem reunido nesta ANTOLOGIA organizada por Sandra Araújo dezenas de poemas (ou prosoemas ou trovas) de conteúdo épico, lírico, filosófico, político-social, entre outros. Temos também o privilégio de, na abertura desse livro, REUNIR UMA COLEÇÃO DE FRASES DE GUIMARÃES ROSA que estão agrupadas livremente e as quais foram atribuídas títulos de acordo com o enfoque temático comum a elas. Suçuarão, Sertão, Gerais... são algumas dessas palavras recorrentes que aparecem repetidas vezes numa leitura atenta do romance GRANDE SERTÃO: VEREDAS como metalinguagem da própria obra. Tanto neste caso quanto nas epígrafes de outros textos, utilizou-se da mesma liberdade para editar essas frases.
Não só Guimarães Rosa e Xiko Mendes aparecem nessa ANTOLOGIA, mas também há trechos de obras de cientistas estrangeiros como o inglês GEORGE GARDNER, que visitou a região do Grande Sertão Veredas, em 1840, e dos alemães SPIX e MARTIUS, um pouco antes, em 1818. Insere-se com a mesma intenção, trechos da obra de Lourenço Moreira Lima, que acompanhou o itinerário da Coluna Prestes pelo sertão brasileiro entre 1925-1927, e dedicou frases igualmente antológicas para falar da travessia dos REVOLTOSOS nessa região de Chapada Gaúcha, Buritis, Arinos, Formoso, Cocos e Sítio d’Abadia.
Espera-se que o(a) leitor(a) se sinta completamente à vontade para folhear o romance de Guimarães Rosa e lá constatar que não só aqueles lugares citados nessa ANTOLOGIA foram eternizados por esse autor em GRANDE SERTÃO: VEREDAS, mas que há tantos outros inclusive na mesma Região, que podem ser identificados – como já fez o escritor Alan Viggiano – e visitados por todos nós! Relembrar a EPOPÉIA DE ANTÔNIO DÓ como personagem-símbolo do GRANDE SERTÃO VEREDAS é fazer um chamamento cívico-pedagógico à população brasileira: chamar o Povo e nossas autoridades à responsabilidade para valorizarem, ao mesmo tempo, o MEIO AMBIENTE e a CULTURA SERTANEJA DE POPULAÇÕES TRADICIONAIS que viviam nesses lugares, que depois se tornam unidades de conservação ambiental como o PARQUE NACIONAL GRANDE SERTÃO VEREDAS.
CUIDAR DA NATUREZA É TAMBÉM CUIDAR DO HOMEM e de sua MEMÓRIA no tempo e no espaço. É isso que a estudante SANDRA ARAÚJO, com essa antologia, tenta fazer ao exumar a memória de Antônio Dó em seu túmulo lá em Serra das Araras, município de Chapada Gaúcha-MG, para eternizá-lo entre nós com textos de Xiko Mendes e Guimarães Rosa, como também antes já fez em seus livros gente como Saul Martins e Petrônio Braz.
A UNIFAM, que é uma entidade sem fins lucrativos voltada para a realização de parcerias que promovam o Desenvolvimento Local Integrado Sustentável, sente-se orgulhosa de ser co-partícipe como parceira de Sandra Araújo nessa empreitada editorial da qual resultou esta belíssima ANTOLOGIA. A ela, aos nossos demais parceiros e aos futuros leitores, o nosso muito obrigado!
A UNIFAM tem certeza que, com este livro, está cumprindo com um dos mais importantes objetivos previstos em nosso Estatuto: o de valorizar a gente e a cultura do SERTÃO ilhado num INTERIOR que se torna menor com o avanço da expansão urbana sobre ecossistemas, e afogado pela fronteira agrícola do monocultivo que envenena a alma do Povo Brasileiro provocando a falsa ilusão de que agronegócio sem projetos de gestão ambiental traz prosperidade para o Brasil. A UNIFAM não é contra qualquer atividade econômica desde que ela não agrida o meio ambiente.
Que as palavras de Guimarães Rosa e Xiko Mendes, dois intelectuais comprometidos com a relação harmoniosa entre homem e natureza, ecoem silenciosamente na alma de seus leitores provocando mudança de atitudes, que transforme comportamentos e consciências pelo Brasil afora. Esse é o sonho da UNIFAM e de seus associados e parceiros.
Viva o SERTÃO!
Viva “Antõe” Dó!
BOA LEITURA!

DIRETORIA DA UNIFAM
(União Nacional de Integração entre Formoso,
Autoridades e Amigos de Minas)



VIVER


Guimarães Rosa*

“Viver é negócio muito perigoso.
Explico ao senhor:
o diabo vige dentro do homem (...)”.
“Viver é muito perigoso....
Querer o bem com demais força,
de incerto jeito, pode já estar sendo
se querendo o mal (...)”.
“Viver é muito perigoso...”.
“Esta vida está cheia de ocultos caminhos (...)”.
“Tem trechos em que a vida amolece a gente,
tanto, que até um referver de mau desejo,
no meio da quebradeira, serve como benefício”.
“Viver é um descuido prosseguido (...)”.
“Mas a vida não é entendível (...).
Nem o senhor, nem eu, ninguém não sabe (...)”.
“Viver é muito perigoso,
já disse ao senhor”.

In: ROSA, Guimarães; GRANDE SERTÃO: VEREDAS, 33ª impressão, Rio, Nova Fronteira, 1988, p. 3, 9, 17, 132, 251, 57, 119, 205. Todos os títulos atribuídos à coletânea de textos desse autor aqui utilizados são de inteira responsabilidade da COORDENAÇÃO EDITORIAL deste livro bem como qualquer destaque (negrito, itálico, palavra com letras maiúsculas...) dado em partes desta e de outras obras deste ou de outros autores.


"O ESCRITOR é alguém que ama compulsivamente as PALAVRAS e por elas, e com elas, incita o seu intelecto no extravasamento de emoções que rejuvenesçam a alma do público. É alguém que se arma com idéias nas trincheiras de cada esquina da Terra para pregar, na fronteira entre dogmas e barricadas, a MENSAGEM DE LIBERTAÇÃO DO HOMEM! É alguém que viaja no túnel do tempo da Existência da alteridade do seu SER, que é finito enquanto matéria, mas que se torna eternamente infinito quando o encontra vivo no vasto mundo das letras, perdido entre significados e significantes. Assim podemos imaginar que no dia em que se encerrar o ciclo vital do nosso SER, a decomposição do corpo em lixo orgânico não será integral. Como EPIFÁFIO, restarão aqui nossas PALAVRAS, única parte da gente, (imune às bactérias?), que talvez não seja biodegradável. Eis aí O LEGADO DA NOSSA MISÉRIA (existencial do SER?), diria Machado de Assis!".

(XIKO MENDES, em sua Nota Introdutória ao livro Projeto Aluno Escritor/Planaltina, Bsb, Asefe, 1996).


“O que é pra SER – são as PALAVRAS (...)”.
“Conto ao Senhor é o que
eu sei e o senhor não sabe,
mas principal quero contar,
é o que eu não sei se sei,
e que pode ser que o senhor saiba (...).
Pois mire e veja:
isto mesmo narrei a um
rapaz de CIDADE GRANDE,
muito inteligente,
vindo com outros num caminhão,
para pescarem no Rio.
Sabe o que o moço me disse?
Que era assunto de valor,
para se compor uma estória em LIVRO (...).”.
“O que ele queria era botar na cabeça,
duma vez, o que OS LIVROS DÃO E NÃO.
Ele era a inteligência (...)”.

ROSA, Guimarães. GRANDE SERTÃO: VEREDAS, 33ª impressão, Rio, Nova Fronteira, 1988, p. 37, 199, 70, 109.



CAVALGAR

Vander O. Borges*


CAVALGAR é se expor ao vento;
Deliciar-se com o Sol da Alvorada;
Acomodar o pensamento;
SER TUDO, SER NADA !!!

CAVALGAR é sentir o Sol e a chuva:
Toque das mãos do Criador,
Doce sabor da uva,
PUREZA, PAZ e AMOR.

CAVALGAR é buscar a Fonte,
Percorrer TRILHAS, Espigões e Campinas;
Desbravar encostas e montes;
Vencer os SERTÕES DE MINAS!

CAVALGAR é...
Preservar as TRADIÇÕES e a NATUREZA!
No balanço do cavalo o Reviver da História!
Hoje com a bandeira da ECOLOGIA:
Vida, VERDE, Vitória!!!

CAVALGAR é se dar ao aprendizado
Na aridez do agreste, no frescor da ÁGUA nascente;
No cansaço do corpo que purifica a alma
A sensação de ser PÁSSARO, RIO, serpente!

A essência humana é alegria, amor, simplicidade
Como a Lua, o Sol, o Abraço, o Aperto de Mão...;
CAVALGAR é fonte de FELICIDADE...,
AMIZADE, FORÇA, INTEGRAÇÃO!!!


*Fonte: MENDES, Xiko. FORMOSO DE MINAS NO FINAL DO SÉCULO XX – 130 ANOS!, Formoso-MG, 2002, p. 549. Este poema foi feito em homenagem à 1ª CAVALGADA ECOLÓGICA, em 1997, que hoje é uma TRADIÇÃO incorporada ao Calendário Cultural de Formoso, pois é realizada anualmente sempre próxima ao Feriado de Corpus Christie. Publicá-lo aqui, além de invocar seus idealizadores Dr. José Falcão Filho, Joaquim Borges Carneiro e Geraldo Édson Teixeira Ornelas, é também uma forma de HOMENAGEARMOS GUIMARÃES ROSA QUE PERCORREU OS SERTÕES COMO CAVALEIRO buscando informações para o romance GRANDE SERTÃO: VEREDAS, na viagem que fez acompanhado de Manuel Nardes (Manuelzão), em 1952. O autor desse poema é economista do Ministério da Educação e filho do Sertão do Urucuia.


LER É VIVER!

Xiko Mendes

LER UM LIVRO É IGNORAR FRONTEIRAS;

EXPOR-SE A IDÉIAS COMO AO VENTO;

É DERRUBAR MURALHAS E TRINCHEIRAS

APENAS COM A FORÇA DO PENSAMENTO.

Ler um livro é esquecer o relógio;

Porque idéias pulsam como as horas;

Transcendem a morte e os necrológios,

Transformam a vida e a nossa história.

Ler um livro na Escola ou em casa

É sentir sem perceber o que é Liberdade

Porque o livro é como se fosse a asa,

Pois a gente voa em busca de verdades.

Ler um livro é transportar sonhos

No delírio pleno que, em cada palavra,

Me faz ver o quanto me envergonho...

Quando dizem algo do qual não sei nada.

É para isto que sempre leio um livro:

É para saber sempre e cada vez mais.

Com um livro sinto que de fato vivo
Porque viver é não deixar de ler. Jamais!



SUÇUARÃO

Guimarães Rosa*

“Agora o senhor saiba qual era esse o meu projeto:
eu ia traspassar o Liso do Suçuarão!”.
“Só saiba: o Liso do Suçuarão
concebia silêncio (...) feito pessoa! (...)”.
“...que o Liso do Suçuarão
não concedia passagem a gente viva,
era o Raso pior havente,
era um escampo dos infernos.
Se é, se? (...)”.
“O que era – que o Raso não era tão terrível? (...).
O que era, no cujo interior, o Liso do Suçuarão?
– era um feio mundo, por si, exagerado. (...).
Com tudo, que tinha de tudo (...).
Até barrancos e morretes.
A GENTE ESTAVA ENCOSTADA NO SOL (...)”.

*Texto adaptado livremente para a forma prosopoética, mas sem mexer na estrutura narrativa do autor. In: ROSA, Guimarães; GRANDE SERTÃO: VEREDAS, 33ª impressão, Rio, Nova Fronteira, 1988, p. 444, 39-40, 25, 448.


SERTÃO

Guimarães Rosa*

“O senhor vê aonde é o SERTÃO? (...)”.
“O senhor tolere: isto é o SERTÃO.
Uns querem que não seja: que situado
Sertão é por os campos-gerais a fora a dentro,
eles dizem, fim de rumo,
terras altas, demais do URUCUIA. (...).
LUGAR SERTÃO SE DIVULGA:
é onde os pastos carecem de fechos;
onde um pode torar dez, quinze léguas,
sem topar com casa de morador;
e onde criminoso vive seu cristo-jesus,
arredado do arrocho de autoridade”.
“(...). Sertão é o sozinho. (...)”.
“(...). Jagunço é o Sertão. (...).
O Sertão tem medo de tudo (...)”.
“O senhor sabe: Sertão é onde manda quem é forte (...).
Deus mesmo, quando vier, que venha armado!”.
“.... o Sertão se sabe só por alto (...)”.
“(...). Sertão velho de idades. (...).
Sertão que se alteia e se abaixa (...)”.
“(...). Sertão é onde o pensamento da gente
se forma mais forte do que o poder do lugar (...)”.
“‘ – O senhor não é do Sertão. Não é da terra...’”.
“...no centro do Sertão, o que é doideira às vezes
pode ser a razão mais certa e de mais juízo! (...).
Sertão é isto: o senhor empurra para trás,
mas de repente ele volta a rodear o senhor dos lados.
Sertão é quando menos se espera (...) ”.
“O Sertão aceita todos os nomes:
AQUI É O GERAIS,
lá é o Chapadão, lá acolá é a Caatinga (...)”.
“‘ – O SERTÃO É BOM.
Tudo aqui é perdido.
Tudo aqui é achado (...)’”.
“No Sertão até enterro simples é festa”.
“(...). Sertão foi feito é para ser sempre assim:
alegrias (...)”.
“Ah, tempo de jagunço tinha mesmo que acabar,
cidade acaba com o Sertão.
Acaba?”.
“... só se sai do Sertão é tomando conta dele a dentro...”.
“O Sertão não tem janelas nem portas. (...);
O Sertão está em toda parte,(...);
o Sertão é do tamanho do mundo, (...).
SERTÃO: é dentro da gente”.

LUGARES DE CHAPADA GAÚCHA
citados no romance Grande Sertão: Veredas

Guimarães Rosa*

“Eu sabia que estávamos entortando
era para a SERRA DAS ARARAS – revinhar
aquelas corujeiras nos bravios de ali além, (...)
– lá se podia azo de combinar
mais outros variáveis companheiros. (...).
Que nem o VÃO DOS BURACOS?
Ah, não, isto é coisa diversa
– por diante da contravertência do Preto e do PARDO”.
“Mas pudemos chegar até na beira do DOS-BOIS,
e na Lagoa Suçuarana, ali se pescou. (...).
Matou-se capivara gorda, por fim.
Dum geralista roto, ganhamos farinha-de-buriti.
E seguimos o corgo... (...).
Mas eu gostava de Diadorim para saber que
estes Gerais são formosos. (...). ...e
viemos vindo atravessando o Pardo e o ACARI”.
“(...). o chapadão, no PARDO,
é igual, igual – a muito gente ele entristece;
mas eu já nasci gostando dele. (...)”.

*Texto adaptado livremente para a forma prosopoética, mas sem mexer na estrutura narrativa do autor. In: ROSA, Guimarães; GRANDE SERTÃO: VEREDAS, 33ª impressão, Rio, Nova Fronteira, 1988, p. 24-25, 43-44, 23. O título dado a esse excerto de texto foi atribuído por nós e não por seu autor, pois Chapada Gaúcha não existia na década de 1950 quando essa obra foi editada.


“Atravessamos os rios dos BURACOS, e o do Peixe Ruim, este junto à dita Fazenda. Nesse dia, a guarda da retaguarda, Capitão Benício, do Destacamento João Alberto, que ficara no Povoado Serra Nova (Serra das Araras?), foi atacada por forças de Horácio {de Matos) e {Abílio} Wolney, o mesmo acontecendo ao Capitão Odilon, que fizera uma marcha de flanco. Daí resolvemos contramarchar para a BAHIA”.
*In: Lima, Lourenço Moreira. A Coluna Prestes: Marchas e Combates, Sp, Brasiliense, 1945, p. 158, 305-306.

“Ao cair a noite, duas montanhas tabulares (...) perfilavam-se, de sul a norte, à nossa esquerda, como ilhas num mar de verduras que nos cercava. O nosso guia, robusto paulista, assegurou-nos que nelas se havia achado diamantes, e chamou-as de SERRA DAS ARARAS (...). (...).
Vastas extensões áridas de areia, charnecas, cobrem duas séries de morros, continuação da Serra das Araras e, por entre elas, e além, desenrolam-se magníficas campinas virentes nas quais surgem espalhados os troncos da nobre palmeira buriti. Particularmente nas partes mais baixas deste terreno, onde são abundantes as nascentes, apresenta-se essa palmeira em matas claras, às vezes a perder de vista. Passa o CAMINHO, ora ao longo desses coqueirais, em que a natureza-escultora demonstra, por assim dizer, as formas e proporções mais nobres na construção de colunas vegetais, ora cortando as vargens e prosseguindo pelos morros (...)”.
(*) In: SPIX, Johannn Baptist Von; MARTIUS, Carl Friedrich Philipp von; Viagem pelo Brasil – 1817/1820, (1ª edição em 1828), Volume II, Itatiaia/USP, Bh/Sp, 1981, p. 94, 102, 104-106.

“(...). A mesma formação de grés apareceu-nos no dia seguinte, junto do Ribeirão dos BOIS, de águas fundas, que se lança no rio Carinhanha. É indescritível o ENCANTO DESTA REGIÃO, onde frescos bosques alternam com extensas campinas cheias de claras fontes e de grupos de majestosas palmeiras BURITI, o qual é realçado pelo fato de não parecer profanado pela mão da Civilização, pois os poucos colonos quase exclusivamente se ocupam aqui de criação de gado”.
(*) In: SPIX, Johannn Baptist Von; MARTIUS, Carl Friedrich Philipp von; Viagem pelo Brasil – 1817/1820, (1ª edição em 1828), Volume II, Itatiaia/USP, Bh/Sp, 1981, p. 94, 102, 104-106.


“Pousamos essa noite às margens do rio chamado Ribeirão de AREIA: tem apenas umas vinte jardas de largura e é bastante raso para dar passagem aos cavalos com cargas, mas, como o fundo era mau, com grande quantidade de pedras redondas e lisas, achei mais seguro transportar toda a carga na manhã seguinte em grande e boa canoa, que se via amarrada do lado oposto, escapando assim a qualquer risco de dano se os cavalos escorregassem. A região em torno era bem bonita, plana em ambos os lados do Ribeirão até considerável distância, com bastante relva e pouca mata. Logo acima do vau há uma longa corredeira, ouvindo-se de longe o ruído das águas a se precipitarem”.
*GARDNER, George. Viagem ao Interior do Brasil, Itatiaia/USP, BH/Sp, 1975, p. 183-186.


“Prosseguimos a viagem no começo da tarde (...).(...). Pouca dificuldade tínhamos tido, até então, em encontrar reunidas estas condições; mas a parte da Serra Geral em que ora viajávamos, chamada de Serra das Araras, era em muitas partes tão despida de vegetação arbórea, que raramente encontrávamos árvores entre os requisitos de um acampamento. (...) Enquanto almoçávamos, apareceu do outro lado do rio uma velha branca com um filho, os quais, atravessando a corrente, ficaram em nosso acampamento nas horas da tarde. Vimos que não obstante sua idade, era mulher vivaz e ativa (...). Contou-me que ia a um lugar distante cinco dias de viagem, cumprir uma PROMESSA A SANTO ANTÔNIO, feita pouco antes quando estivera doente. (...). ...chegamos afinal pouco antes do por do sol, à Fazenda do Rio Claro. Toma ela o nome de um rio que por ali passa e cai no Urucuia (...)”.
*GARDNER, George. Viagem ao Interior do Brasil, Itatiaia/USP, BH/Sp, 1975, p. 183-186.


“Transpusemos, nessa região, um rio que percorre cerca de quinhentos metros subterraneamente.
Não me recordo bem se é o PARDO. (...).
As águas cavam uma funda garganta na rocha, desaparecendo nela, para surgir meio quilômetro adiante, tendo o rio cerca de cinqüenta metros de largura naquele ponto e correndo caudalosamente.
(..................................................................................).
“A 19 {de abril de 1926}, entramos em Minas, indo acampar na margem do Rio Pardo, marchando sete léguas e meia e tendo passado na vila de Água Quente onde ficou a nossa retaguarda, Destacamento Cordeiro, que aí repeliu um ataque quem lhe foi feito durante a noite.
A 20, atravessamos o dito rio sobre uma pequena ponte, chegando ao POVOADO RETIRO às dez horas da manhã, tendo feito cinco léguas e meia.
Aí sesteamos, indo acampar na Fazenda Estevão, três e meia légua além, tendo vadeado os rios Pardinho e Cedro.
A 21, sesteamos na Fazenda Garrotes, marchando três léguas e meia, e tendo atravessado os riachos Garrotes e Ventura.
Viajamos pelos Gerais e transpusemos ladeiras terríveis.
Acampamos no povoado Serra Nova {SERRA DAS ARARAS?}, quatro e meia léguas adiante.
A retaguarda, Destacamento Cordeiro, tiroteou em Garrotes.
A 22, sesteamos na Fazenda Brejo Grande (Mato Grande?), marchando duas léguas e tendo atravessado o RIO PRETO. Acampamos na Fazenda Pé da Ladeira, percorrendo quatro léguas pelas serras”.
*In: Lima, Lourenço Moreira. A Coluna Prestes: Marchas e Combates, Sp, Brasiliense, 1945, p. 158, 305-306.

ANTÔNIO DÓ no romance GRANDE SERTÃO: VEREDAS

Guimarães Rosa*


“Antônio Dó – severo bandido.
Mas por metade; grande maior metade que seja. (...).
O Senhor pensa que Antônio Dó ou Olivino Oliviano
iam ficar bonzinhos por pura soletração de si,
ou por rogo dos infelizes,
ou por sempre ouvir sermão de padre?
Te acho! Nos visos... (...).
Mas, nestes derradeiros anos, quando
Andalécio e Antônio Dó forcejaram para entrar lá,
quase com homens mil e meio-mil, a cavalo,
o povo de São Francisco soube,
se reuniram, e deram fogo de defesa... (...)”.
“Antônio Dó eu conheci, certa vez,
na Vargem Bonita, tinha um feirinha lá,
ele se chegou, com uns seus cabras,
formaram grupos calados, arredados”.
“Olhe: conto ao senhor.
Se diz que, no bando de Antônio Dó,
tinha um grado jagunço, bem remediado de posses
– Davidão era o nome dele.
Vai, um dia, coisas dessas que às vezes acontecem,
esse Davidão pegou a ter medo de morrer.
Safado, pensou, propôs este trato a um outro,
pobre dos mais pobres, chamado Faustino:
o Davidão dava a ele dez contos de réis,
mas, em lei de caborje – invisível no sobrenatural
– chegasse primeiro o destino de Davidão
morrer em combate, então
era o Faustino quem morria, em vez dele.
E o Faustino aceitou, recebeu, fechou.
Parece que, com efeito,
no poder de feitiço do contrato
ele muito não acreditava.
Então, pelo seguinte, deram um grande fogo,
contra os soldados do Major Alcides do Amaral,
situado forte em São Francisco.
Combate quando findou, todos os dois estavam vivos,
o Davidão e o Faustino.
A de ver?
Para nenhum deles não tinha chegado a hora-e-dia.
Ah, e assim e assim foram, durante os meses, escapos,
alteração nenhuma não havendo; nem feridos eles saíam...”.

*Texto adaptado livremente para a forma prosopoética, mas sem mexer na estrutura narrativa do autor. In: ROSA, Guimarães; GRANDE SERTÃO: VEREDAS, 33ª impressão, Rio, Nova Fronteira, 1988, p 9, 11, 143, 144, 70. O título dado a esse excerto de texto foi atribuído por nós e não por seu autor.
NOTA EXPLICATIVA: VER NO LIVRO DE FORMOSO, PÁGINAS 309 A 316.


ANTÔNIO DÓ DE VOLTA AO GRANDE SERTÃO VEREDAS

PARTE I: Antônio Dó – Herói do Grande Sertão Veredas

Xiko Mendes

Com permissão do Seu Delegado
Que hoje comanda esta Cidade,
Bato no peito e fico animado
Com a licença da Autoridade.
Quero falar de um Homem Bravo
Que lutava sempre pela Verdade;
Só queria do Poder Togado
A Justiça e a Liberdade.
É Antônio Antunes de França,
Que nasceu em Pilão Arcado;
Deixou a Bahia com esperança
De ser grande criador de gado,
Mas no caminho a vingança
Fez seu direito ser ignorado.
Foi de Monte Azul pra São Francisco
Fixar residência na Boa Vista,
Mas lá num pacto sinistro,
Ele foi vítima de grande injustiça.
Neste mundo de muita fartura
Controlada por coronéis do Sertão
Foi trapaceado na venda de rapadura
E ficou sem seu dinheiro na mão.
Aí veio outra disputa dura
Onde ganhou quem não tinha razão.
Convencido de que a Justiça não nega
Na Lei o Direito de Propriedade,
Brigou com o Coronel Chico Peba
E foi preso na cadeia da Cidade.
Aí viu que a Justiça não é cega
Nem tudo ocorre na legalidade.
Passou a não acreditar em mais nada
Depois que saiu daquela prisão,
Pois o Coronel que cercou a aguada,
Motivo da briga em questão,
Ganhou na lei... e na marra!
E ele, além do assassinato do irmão,
Viu a sua fazendinha roubada.
Revoltado com tudo isto,
Fugiu pra bem longe no Sertão.
Deixou a cidade de São Francisco
Atrás de jagunços no Marco Trijunção.
Voltou para vingar o coronel maldito
E ordenou a temerosa invasão
Atacando a sede deste Município.
Ele queria que fosse indenizado
E a promessa feita não foi cumprida,
Pois atrás dele vieram os soldados
Libertando a cidade invadida,
Mas fora dela, seu bando armado,
Derrotou a Polícia na saída.
Lutando contra essa injustiça,
Virou personagem de jornal,
Fugiu pra Vargem Bonita,
Famoso na crônica policial.
Perseguido pelo comandante Felão,
Que incendiou aquele vilarejo,
Correu atirando em toda direção
Tornando-se um Herói Sertanejo!
O Comandante, que não tinha medo,
Fez o povo daquela vila arrasada
Ritualizar a Dança da Troca de Dedos
Na boca e... entre as nádegas.
Antônio Dó foi pro Marco Trijunção,
Divisa de Goiás, Bahia e Minas.
Ali veio nova perseguição,
Pois esta parecia ser sua sina.
Mas agora teve proteção
De um coronel cheio de carabinas!
No Itaguari, afluente do Carinhanha,
Fronteira entre Minas e Bahia,
A Polícia, com a sua sanha
Atrás do bando que perseguia,
Foi derrotada de forma tacanha
E o bando fugiu pra Sítio d’Abadia!
O Comandante Amaral, ferido e só,
Ordena à sua Polícia a retirada.
Deixando Goiás, Antônio Dó
Entra no município de Januária.
Mas antes agradece ao Homem
Que o protegeu em Sítio d’Abadia,
O Coronel Joaquim Gomes,
Que todo o Marco Trijunção temia!
Seu destino agora terá outro fim,
Pois vira “juiz de paz” no sertão.
Vai morar no povoado de São Joaquim
Arbitrando causas em comissão.
Vira um bandido mercenário
Combatendo atos de injustiça.
É a vingança contra latifundiários
Que não respeitam a lei escrita!
Desculpe, Seu Delegado, agora
Porque tudo isto é verdade,
Pois às vezes a Justiça demora
E não julga com imparcialidade.
Como um bandido profissional
Revoltado com erros da Justiça,
Antônio Dó inicia o ritual
De matar e correr da Polícia.
Mas escapam entre os dedos seus anéis
Quando decide matar um fazendeiro,
Consegue contra ele unir os coronéis;
Cai em desgraça e em desespero.
Ousada, a sua quadrilha assassina
Decide matar João Soares,
Latifundiário de Formoso de Minas,
Amigo do Major Saint’Clair F. Valadares.
Associando-se com outros bandidos,
Rouba a fazenda e muito gado.
Daí em diante é perseguido
Sem trégua por todo lado.
O Coronelismo apóia a Polícia.
Agora o que se vê é o anúncio:
“Caiu nas mãos da Justiça
A maioria de seus jagunços!”.
Antônio Dó – o Rei do Sertão,
O Homem com bala na agulha,
Divide o espólio da família Beirão
E leva muito dinheiro na cuia.
O dinheiro desperta a cobiça
Em todos os lugares por onde anda.
A esposa querendo ser viúva rica
Manda matá-lo e contrata o capanga.
Esta cena, que sempre me lembro,
Ocorreu em mil novecentos vinte e nove:
Foi bem no dia 14 de novembro,
Quando Antônio Dó, traído, morre!
Em Serra das Araras ali jaz sem alamedas.
Foi enterrado, cantado em verso e prosa.
Vive nas páginas de Grande Sertão: Veredas
Como personagem de Guimarães Rosa!
E aqui sai de cena o Herói do Sertão,
O Homem do qual tanto se orgulha
Por ter lutado de armas nas mãos
Por Justiça no Vale do URUCUIA!!!

PARTE II: 1956/2006 – De Volta ao Grande Sertão Veredas!

Venho aqui falar de uma viagem
“Pelo Sertão” de Guimarães Rosa;
Falar que a minha Mensagem
Lembra um Autor de boa prosa.
Foi pra um mundo povoado de bois
E entre cavaleiros e vaquejadas
Que em mil novecentos cinqüenta e dois
Ele fez sua longa jornada.
Queria ele vivenciar “Os Sertões”,
Mostrar ao leitor um Outro Mundo;
E foi assim que Guimarães
Fez enxergar o Brasil Profundo!
Um Mundo que o Homem “Civilizado”
Nem imagina bem o que seja,
Pois vive na Metrópole alienado
Da Realidade Sertaneja.
E para mostrar como era o SERTÃO
Desconhecido pelo brasileiro
Fez-se acompanhado de Manuelzão
E um repórter da revista “O Cruzeiro”.
Na travessia de sua comitiva
Foi recolhendo lendas e certezas,
Que inspirariam a sua narrativa
Para o “Grande Sertão: Veredas”.
Esta história povoada de mistério
Tem o sertanejo como personagem
E começa no córrego do Batistério
Todo o relato de JAGUNÇAGEM.
É no Sertão Mineiro do Velho Chico
E na Bahia pelo seu Sudoeste
Onde se desenvolvem os conflitos
Até Goiás no seu lado Leste.
Várzea da Palma é ponto de partida;
Em Buritizeiro há o combate final;
No URUCUIA tem as vindas e idas
Dos jagunços e de Riobaldo.
Neste romance que tanto admiro
Há vários heróis bons e ruins
Tem Ricardão, Hermógenes, Joca Ramiro;
Tem “Judas” e Diadorim.
Tem mulher que vira homem;
Tem homem que vira diabo;
Tem diabo que muda de nome
E tem coronelismo pra todo lado.
LI O ROMANCE E FAÇO O ANÚNCIO:
É na rua e no meio do redemoinho
Onde um exército de jagunços
Fica famoso como assassino!
Pra você, que é GENTE DA CIDADE,
Que ainda não conhece o meu SERTÃO,
Eu narro essa história que é verdade
E te convido pra ir à Região.
Venha ao “Grande Sertão Veredas”
Onde fica um Parque Nacional
Onde se protege a Natureza
E o Patrimônio Cultural.
Aqui o Brasil se orgulha
Do Sertão que ainda sobrevive
Entre o Carinhanha e o URUCUIA
O mundo é mais que livre:
É belo! É verde! É terra maravilhosa!
É lugar onde Guimarães Rosa
Construiu um enredo interativo
Misturando ficção e realidade,
Provando que é verdade
Quase tudo que está no LIVRO!
Se “o sertão é o dentro da Gente”;
Se “o sertão está em toda parte”;
É por que vive dentro da mente
E dela não quero que se afaste;
É sem portas, sem janela: ENTRE!!
Porque o meu Sertão é Obra de Arte!!!

GERAIS


Guimarães Rosa*

“(...). E vi meus Gerais!”.
“... nos Gerais, a mesma raça de borboletas,
que em outras partes é trivial regular
– cá cresce, vira muito maior,
e com mais brilho, sabe;
acho que é do seco do ar,
do limpo, desta luz enorme (...)”.
“(...). O ar dos Gerais, o senhor sabe (...).
Mas, de parte do poente algum vento suspendia
e levava rabos-de-galo,
como que com eles fossem fazer um seu branco ninho,
muito longe, ermo dos Gerais,
nas beiras matas escuras e
águas todas do Urucuia, e
nesse céu sertanejo azul-verde (...)”.
“O senhor estando lembrado:
aqueles cinco, soturnos homens,
catrumanos também, dos Gerais,
cabras do Alto Urucuia (...)”.
“(...) pessoal dos GERAIS
– gente mais calada em si e sozinha,
moradores das grandes distâncias”.
“(...). Diadorim – ele ia para uma banda,
eu para outra, diferente;
que nem, dos brejos dos Gerais,
sai uma vereda para o nascente
e outra para o poente,
riachinhos que se apartam de vez,
claramente, na sombra de seus buritizais...”.
“(...). O senhor vê, nos Gerais longe:
nuns lugares, encostando o ouvido no chão,
se escuta barulho de fortes águas,
que vão rolando debaixo da terra.
O senhor dorme em sobre um rio? (...).
‘Vou para os Gerais!
Vou pra os Gerais!”.

*Texto adaptado livremente para a forma prosopoética, mas sem mexer na estrutura narrativa do autor. In: ROSA, Guimarães; GRANDE SERTÃO: VEREDAS, 33ª impressão, Rio, Nova Fronteira, 1988, p. 268, 428, 163, 168, 438, 45, 482, 255.

LUGARES DE FORMOSO DE MINAS
(Arinos e Buritis) citados no romance Grande Sertão: Veredas

Guimarães Rosa*


“O SENHOR VÁ.
Alguma coisa, ainda encontra.
Vaqueiros?
Ao antes – a um, ao Chapadão do Urucuia
– aonde tanto boi berra...
Ou no mais longe:
vaqueiros do (...) Córrego do QUEBRA-QUINAUS:
cavalo deles conversa feito cochicho – que se diz –
para dar sisado conselho ao cavaleiro,
quando não tem mais ninguém perto, capaz de escutar. (...).
Dali para cá, o senhor vem,
começos do CARINHANHA e do
Piratinga filho do Urucuia
– que os dois, de dois, se dão as costas”.
“(...). Se passava o PIRATINGA, que é fundo,
se passava: ou no Vau da Mata ou no Vau da Boiada;
ou, então, pegando mais por baixo,
o SÃO DOMINGOS, no Vau do José Pedro. (...).
A ser o importante, que se tinha de estudar,
era avançar depressa nas boas passagens nas divisas,
quando militar vinha cismado empurrando”.

*Texto adaptado livremente para a forma prosopoética, mas sem mexer na estrutura narrativa do autor. In: ROSA, Guimarães; GRANDE SERTÃO: VEREDAS, 33ª impressão, Rio, Nova Fronteira, 1988, p. 22, 45. O título dado a esses excertos foi atribuído por nós e não pelo seu autor.

“Os campos pantanosos deságuam no rio Carinhanha, que nasce a oeste, no Mato Grande (...). Aqui e acolá, notam-se nos campos lagoas, de considerável extensão, como, por exemplo, as Sete Lagoas, pelas quais passamos. A água é potável (...). A oeste-noroeste dessas lagoas, (...) fizemos pouso (...)”.
(*) In: SPIX, Johannn Baptist Von; MARTIUS, Carl Friedrich Philipp von; Viagem pelo Brasil – 1817/1820, (1ª edição em 1828), Volume II, Itatiaia/USP, Bh/Sp, 1981, p. 94, 102, 104-106.

LUGARES ENTRE COCOS (BA) E FORMOSO DE MINAS
citados no romance Grande Sertão: Veredas

Guimarães Rosa*


“(...). Pra por lá do Suçuarão,
já em tantos terrenos da BAHIA,
um dos dois judas possuía sua maior fazenda,
com os muitos gados, lavouras,
e lá morava sua família dele, legítima,
de raça – mulher e filhos”.
“(...). No rio Carinhanha, rio quase preto,
muito imponente, comprido e povooso (...)”.
“...seguimos.
Dali, antes, a gente tinha
passado o Alto Carinhanha – lá é que
o Rei-Diabo pinta a cara de preto.
Onde chegamos na aproximação do lugar
que se cobiçava (...) A terra dele (de Hermógenes),
não se tinha noção qual era;
mas redito que possuía gados e fazendas,
para lá do Alto Carinhanha, (...)
nos GERAIS DA BAHIA. (...)”.
“Olhe: o rio Carinhnha é preto (...).
Passado o PORTO DAS ONÇAS, tem um fazendol.
Ficamos lá umas semanas, se descansou.
Carecia. Porque a gente vinha no caminhar a pé,
para não acabar os cavalos, mazelados. (...).
Se caçava, cada um esquecia o que queria,
de decomer não faltava, pescar peixe nas VEREDAS...
O SENHOR VÁ LÁ, VERÁ”.

*Texto adaptado livremente para a forma prosopoética, mas sem mexer na estrutura narrativa do autor. In: ROSA, Guimarães; GRANDE SERTÃO: VEREDAS, 33ª impressão, Rio, Nova Fronteira, 1988, p. 26-27, 275, 454, 19.


“(...) prosseguimos na marcha, sempre na direção O.N.O, e alcançamos o rio Carinhanha. Este belo rio tem águas claras, esverdeadas, num leito de grés branco, ensombrado por aprazíveis moitas ou palmeiras flabeliformes. Uma balsa (...) foi conduzindo-nos (...) até a {outra} margem onde encontramos uma vasta planície arenosa (...)”.
(*) In: SPIX, Johannn Baptist Von; MARTIUS, Carl Friedrich Philipp von; Viagem pelo Brasil – 1817/1820, (1ª edição em 1828), Volume II, Itatiaia/USP, Bh/Sp, 1981, p. 94, 102, 104-106.

GOIÁS E A SERRA GERAL
(Divisa entre Cocos-SÍTIO D’ABADIA, e entre Formoso-FLORES)
citados no romance Grande Sertão: Veredas

Guimarães Rosa*

“... eu tinha de atravessar as tantas terras e municípios,
jogamos uma viagem por este Norte, meia geral.
Assim, conheço as províncias do Estado.
Não há onde eu não tenha aparecido.
A que VIEMOS: POR EXTREMA DE SANTA MARIA,
(...) Acari (...) – buscando jeito de
encostar no de São Francisco (...)”.
“É preciso de saber os
trechos de se DESCER PARA GOIÁS::
em debruçar para GOIÁS, (...).
O Chapadão (...) em sobre longe, beira até Goiás.
Os GERAIS desentendem de tempo (...).
o chapadão por lá vai terminando,
despenha.
Tem quebra-cangalhas e
ladeiras terríveis vermelhas.
Olhe: muito em além,
vi lugares de terra queimada e
chão que dá som – um estranho.
Mundo esquisito! (...).
Por aí, extremando,
se chegava até o Jalapão (...)”.
“(...) para lá fundo dos Gerais de Goiás,
adonde tem vagarosos grandes rios,
de água sempre tão clara, aprazível,
correndo em deita de cristal roseado (...)”.
“... e o caminho nosso era
retornar por essas gerais de Goiás – como
lá alguns falam. O retornar para estes
gerais de Minas Gerais”.
“Fiquei me alembrando daquela vez,
de quando ele tinha seguido sozinho para Goiás,
expulso, por julgamento, deste Sertão...”.
“Conferi meu povo nas armas.
Tudo prazia.
O barranco mineiro ou
o barranco goiano”.
“O SENHOR VÁ VER, EM GOIÁS,
como no MUNDO cabe todo mundo”.

*Texto adaptado livremente para a forma prosopoética, mas sem mexer na estrutura narrativa do autor. In: ROSA, Guimarães; GRANDE SERTÃO: VEREDAS, 33ª impressão, Rio, Nova Fronteira, 1988, p. 52-53, 45, 92-93, 14, 468, 386, 478, 471.

“Ora vez, que, desse jeito, fomos entortando, entre as duas chapadas, encalço da estrada do rio. E se chegou na fazenda (...) Barbaranha dita, em um lugar redondo e simples, no Pé-da-Pedra. (...). Mas acrescento que o dono, no atual, era um seo Ornelas – Josafá Jumiro Ornelas, por nome todo. (...). Soubessem que esse seo Ornelas era homem bom descendente, posseiro de sesmaria (...), compadre que era do Coronel Rotílio Manduca (...). Seo Ornelas me intimou a sentar em posição na cabeceira (...). Mas seo Ornelas permanecia sisudo (...). Mas, nos tons do velho Ornelas, eu tinha divulgado um extra-vago de susto (...). ...o seo Ornelas relatou a gente diversos casos. (...). O qual se deu da parte da banda de fora da cidade de Januária. (...) seo Ornelas departia pouco em descrições. (...). ...seo Ornelas, senhor de prosa muito renovada. (...) O seo Ornelas honrava os atos. (...). Seo Ornelas externou as despedidas, com o x’totó de foguetes...” .

(In: ROSA, Guimarães; GRANDE SERTÃO: VEREDAS, 33ª impressão, Rio, Nova Fronteira, 1988, p. 397-408).


“Paramos num lugar chamado Riachão (atual Mambaí-GO), que tinha três casas (...). Aqui (...) os habitantes do distrito (...) possuem terras ilimitadas. (...). ...retomamos o caminho, na esperança de chegar a alguma habitação onde pudéssemos verificar se estávamos no caminho certo para uma pequena povoação chamada Nossa Senhora d’Abadia (atual SÍTIO D’ABADIA-GO), pela qual eu deseja passar. Passado o rio (CORRENTE?), cujo topo é uma chapada de matas um tanto cerradas, e levamos quase meia hora para atravessá-la. Feito isto, avistamos a certa distância um recôncavo, umas poucas casas pequenas com uma IGREJA, que eram a povoação citada. Consistia de meia dúzia de pequenas (...) choças feitas de varas e barro e cobertas de palmas. A igreja era construída dos mesmos materiais. (...) ...encontramos uma multa e umas poucas crianças (...). Perguntei à mulher se podia ensinar-nos o caminho de Arraial Formoso (atual Formoso-MG), mas ela só soube responder que ficava a três léguas dali; nunca fora lá, nem nunca se distanciara do sítio onde vivia: se fôssemos, porém, à casa do juiz de paz, teríamos a informação precisa...”.
*GARDNER, George. Viagem ao Interior do Brasil, Itatiaia/USP, BH/Sp, 1975, p. 178, 179, 180.

“...partimos a 1º de setembro {de 1818} do aprazível Salgado {atual Januária-MG}, para percorrer as solidões, que com o nome de Campos ou CHAPADAS DE SANTA MARIA se elevam desde o rio {São Francisco} até as FRONTEIRAS DE MINAS E GOIÁS. (...).
Gradualmente se eleva o caminho... Cada vez mais nos íamos convencendo de que, no sistema do rio São Francisco e seus afluentes, predomina uma vegetação característica que (...) se apresenta particularmente como matagal CERRADO, trançado de trepadeiras... (...)”.
(*) In: SPIX, Johannn Baptist Von; MARTIUS, Carl Friedrich Philipp von; Viagem pelo Brasil – 1817/1820, (1ª edição em 1828), Volume II, Itatiaia/USP, Bh/Sp, 1981, p. 94, 102, 104-106.

URUCUIA


Guimarães Rosa*

“O URUCUIA vem dos montões oestes. (...).
O GERAIS corre em volta.
Esses Gerais são sem tamanho.(...)”.
“(...). Mas, quadrando que primeiro,
mais para o norte:
o Chapadão do URUCUIA (...)”.
“(...). O meu URUCUIA vem,
claro, entre escuros.
Vem cair no São Francisco, rio capital”.
“(...). Ah, o meu URUCUIA,
as águas dele são claras certas (...)”.
“(...). O URUCUIA é um rio, o rio das montanhas”.
“(...). URUCUIA – lá onde
houve matas sem sol nem piedade”.
“Confusa é a vida da gente;
como esse rio meu URUCUIA vai se levar no mar”.
“(...). Pelos modos, pelas roupas,
aqueles eram gente do Alto URUCUIA.
Catrumanos dos Gerais.
Pobres, mas atravessados de armas,
e com cheias cartucheiras”.
“(...). Viemos pelo URUCUIA.
Meu rio de amor é o URUCUIA.
O chapadão – onde tanto boi berra.
Daí, os GERAIS, com o capim verdeado.
Ali é que vaqueiro brama,
com suas boiadas espatifadas.
... o tempo-das-águas de chegada,
trovoada trovoando.
Vaqueiros todos vaquejando.
O gado esbravaçava (...)”.
“O URUCUIA não é o meio do Mundo?”.

*Texto adaptado livremente para a forma prosopoética, mas sem mexer na estrutura narrativa do autor. In: ROSA, Guimarães; GRANDE SERTÃO: VEREDAS, 33ª impressão, Rio, Nova Fronteira, 1988, p. 1, 394, 271, 267, 383, 471, 164, 73, 59, 428.


LUGARES DE ARINOS
citados no romance Grande Sertão: Veredas

Guimarães Rosa*

Para cima da Barra-da-Vaca, ARINOS...
Em sertão são. Isso, que são lugares (...)..
“‘ – Desses córregos...’ Do (...)
Tamboril, Cambaúba, (...)”.
“Na SERRA DO CAFUNDÓ – ouvir trovão de lá,
e retrovão, o senhor tapa os ouvidos,
pode ser até que chore, de medo mau em ilusão,
como quando foi menino.
O senhor vê vaca parindo na tempestade...
De em de, sempre, Urucuia acima,
o Urucuia – tão a brabas vai.
Tanta serra, esconde a lua.
A serra ali corre torta.
A serra faz ponta.
Em um lugar, na encosta (...)
o gado foge de lá, por pavor”.
“Quem me ensinou a apreciar
essas belezas sem dono foi Diadorim...
A da RAIZAMA, onde até os pássaros calculam o giro da lua (...)”.
“Mas, adiante, por aí arriba,
ainda fazendeiro graúdo se reina mandador
– todos donos de agregados valentes,
turmas de cabras do trabuco e na carabina escopetada!
(…). Dona Adelaide no Campo-Redondo,
Simão Avelino na Barra-da-Vaca...”.
“No primeiro dia, de tardinha,
apareceu um boiadeiro,
que com seus camaradas viajando.
Vinham de Campo-Capão-Redondo,
em caminhada para Morrinhos (...)”.
“(...). Já estive (...) na Barra-da-Vaca, (...).”.

*Texto adaptado livremente para a forma prosopoética, mas sem mexer na estrutura narrativa do autor. In: ROSA, Guimarães; GRANDE SERTÃO: VEREDAS, 33ª impressão, Rio, Nova Fronteira, 1988, p. 439, 18, 94, 282, 428.



“...rumamos para leste, galgamos a alta serra do Paranã e entramos em Minas, percorrendo os belos chapadões situados entre os rios Preto, Urucuia, Claro, Pardo, Pandeiro, (...), Carinhanha...
Esses chapadões têm ali a denominação de Gerais (...).
A 11 de agosto (de 1925) (...) entramos em Minas tendo ocupado o lugarejo São João do Pinduca (atual SERRA BONITA – distrito de BURITIS-MG), agregado de casas habitadas por pobres negros (...) segregados da Civilização”.
*In: Lima, Lourenço Moreira. A Coluna Prestes: Marchas e Combates, Sp, Brasiliense, 1945, p. 158, 180-182, 305-306.

“Os Revoltosos (...) passaram por AQUI, soldados de Prestes, VINHAM DE GOIÁS (...)”.
In: ROSA, Guimarães; GRANDE SERTÃO: VEREDAS, 33ª impressão, Rio, Nova Fronteira, 1988, p. 82.




O CERRADO DENTRO DA GENTE

Xiko Mendes

Se o CERRADO é o dentro da gente...
Cuide do rio valorizando tuas águas,
Preserve árvores, animais, nascentes...
Vá e volte comigo de MÃOS DADAS!

Se o CERRADO é o dentro da gente...
Coloque as tuas mãos em movimento:
Faça GESTOS, escreva, grite, TENTE
Lutar contra o DESMATAMENTO!

Se o CERRADO é o dentro da gente...
Não “lave as mãos que nem Pilatos”:
Mude tuas atitudes e se movimente
Transformando palavras em ATOS.

Se o CERRADO é o dentro da gente...
Um de seus inimigos é o agronegócio.
Diga não à MONOCULTURA poluente!
Não compre nada com agrotóxicos!

Se o CERRADO é o dentro da gente...
Se torne ecologista no próprio quintal:
Faça a FAMÍLIA tornar-se consciente
De que Cerrado vivo é fundamental.

Se o CERRADO é o dentro da gente...
O que fazes de braços cruzados?
Levante-se, erga as mãos, urgente,
Pois não é hora de ficarmos calados!

Se o CERRADO é o dentro da gente...
Não fique aí parado de mãos atadas.
Acorde! Acorde e sinta que sua mente
É um amanhecer de vozes indignadas!

Se o CERRADO é o dentro da gente...
Mude os seus hábitos dentro de casa.
Conheça mais sobre Meio Ambiente!
PRESERVE A PUREZA DA ÁGUA!

Oito Dicas para sermos Exemplos de Pioneirismo

Xiko Mendes

1. Pioneiro...
É aquele que abre caminhos na solidão do deserto
Quando ninguém mais acredita na descoberta do oásis.

2. Pioneiro...
É quem cruza o olhar no horizonte e
Atravessa a dimensão do sonho para
Transformar utopia em realidade.
E assim o faz porque consegue
Enxergar não só o Futuro,
Mas o futuro que se realiza hoje;
O futuro que se constrói agora com nossos atos,
O futuro que conspira a favor da felicidade
De todos nós!

3. Pioneiro...
É mais que um sonhador; é um
Semeador que sobe o monte
Plantando sementes no meio das pedras
Porque acredita na capacidade humana
De multiplicar esperança em meio à tempestade.

4. Pioneiro...
Não distribui flores, mas tira os espinhos
Que servem de obstáculo à passagem dos que
Acreditam no Homem, acreditam na Vida,
Acreditam na auto-superação de cada um,
Acreditam e realizam em tudo que faz
A transformação do Mundo.

5. Pioneiro...
É aquele que não renuncia à liberdade
Mesmo quando não há perspectiva de se
Libertar do Labirinto da Existência;
É aquele que não renuncia à direitos
Mesmo quando é pisoteado, vilipendiado
Ou desmotivado na busca de justiça.

6. Pioneiro...
É o homem simples, perdido no anonimato,
Marginalizado na rua da amargura,
Que sobrevive com salário mínimo, mas
Não rouba, não mata, não se corrompe;
E cria seus filhos com sacrifício, mas com dignidade;
Como cidadãos devotados aos valores supremos do
Homem: honestidade, caráter, ousadia e
O eterno desejo de vencer
Sem prejudicar direitos de outros.

7. Pioneiro...
É quem consegue com atos e palavras
Conspirar contra o silêncio dos pessimistas
Ou contra a demagogia dos falsos otimistas,
Instigando em cada um de nós
Uma reação instintiva contra a descrença coletiva.

8. Pioneiro...
É quem pisa no chão e deixa marcas de sua passagem;
É quem aponta para a multidão na encruzilhada
Qual é o melhor caminho a seguir;
Qual é o PROJETO DE PODER E DE FUTURO
Mais benéfico e justo para
A busca da igualdade de direitos,
A conquista da justiça,
O encontro com a liberdade,
A construção da fraternidade universal,
Enfim, é aquele que faz nascer em você e em mim
Que ser pioneiro é dar exemplos de que
Poderemos ser melhores
Como pessoas, como gente, como Povo,
Como HUMANIDADE.

FUNDAÇÃO DA CIDADE DE FORMOSO (MG)

Xiko Mendes


Coberto de bela paisagem
Com vegetação de Cerrado,
Muito própria para pastagem,
O terreno foi logo demarcado.

Era ali um lugar de bons ares,
Ótimo para pousos na viagem.
Foi assim que Felipe Tavares
Parou com a sua bagagem!

Dormiu, acordou sem coragem
Após seu descanso de peregrino.
Foi aí seduzido pela miragem:
Estava selado o nosso destino!

Não sabemos se fazia friagem
Quando, embaixo de velhos jatobás,
Verdes mesmo durante a estiagem,
Ele decidiu que não ia mais viajar.

Fixou sua casa à beira da margem,
Mas afastado de um brejo lodoso;
E inscreveu sua primeira mensagem:
Sou dono do Sítio do Corgo Formoso!

Deu terra à Nossa Senhora d’Abadia,
A poucas léguas daquela contagem;
Era o Registro Fiscal de Santa Maria,
Um posto goiano da Real Corretagem.

Não muito distante da Grota Barreiro
Outros pararam com sua matulagem.
Famílias como Ornelas e Carneiro
Optaram criar gado para vendagem.

Sendo da Santa, aumentou a vinda
De gente para esta antiga hospedagem,
Que colonizou os vales do Piratinga
Expulsando o guerreiro índio selvagem.

Muito tempo depois veio ser Distrito
Devido à sua grata camaradagem.
E assim Formoso, o atual Município,
Ainda é o Cenário da Bela Paisagem.


Vovó Brisda – A Mãe Preta de Formoso


Xiko Mendes


Era negra, linda e donzela
Antes de ir para a cama,
Amante de Brás Ornelas
Lá em terras lusitanas.

Era donzela, linda e negra,
Não era qualquer mucama;
Vivia livre como princesa
Lá em terras africanas.

Era negra, donzela e linda;
Em Formoso tem a fama
De ter vivido no Piratinga
Lá em terras urucuianas.

Era donzela, linda e negra
E, acima de tudo, mulher
Exalando a sua beleza
Como as ondas da maré.

Era negra e linda donzela
Quando ainda era virgem.
Não negue porque é dela
Essa nossa mulata origem!


Exumação de Mecenápolis

XIKO MENDES


Cidade imemorial, graciosa e provinciana
Onde um povo bastante simples e ingênuo
É governado por dirigentes amnésicos (?)
Que ignoram seus valores heterogêneos!

Uma terra de histórias centenárias
Com ilustres famílias tradicionais,
Que amam a política tradicionalista,
Sem conservar as tradições locais.

Cheia de manifestações folclóricas,
Ela não possui museu nem relicário.
Seu passado épico se perde no tempo.
Nem sequer festeja seu aniversário!

Sem data, sem arquivo, sem memória...
Nela não se faz ato de comemoração,
Pois ninguém protege a sua cultura!
E, sem preservá-la, não há tradição!

Mas que cidade poderá ser essa...
Que esquece sua própria história?
Talvez, os que se esqueceram dela...
Possam fazer alguma coisa: Agora!!!